Para quem escrevo quando não estás?

Estou sentada nesta mesa há quase duas horas.
Duas horas a encarar o papel de caneta na mão sem que nenhuma palavra me saia.
Pedi um café como de costume mas hoje acabou por arrefecer sem que eu lhe tocasse.
Estou sentada na nossa mesa, aquela com a janela grande ao fundo da sala, em que do outro lado da rua se vê a florista, aquela com a senhora do chapéu engraçado, deve ter dezenas e todos eles te faziam rir.
Hoje ela ainda ali está, mas ouvi dizer que o negócio está fraco, todos os dias ias lá e trazias-me uma rosa, dizias-me que não era por ser cliché, mas que enquanto aqui estivesses a tua mulher devia ser sempre mimada, sabias que eu não ligava a jóias ou a jantares caros, aquela era a tua forma de me dizeres que ainda te importas, embora ás vezes eu suspeitasse que ias lá para ver de perto o que raio era aquilo que enfeitava os chapéus. Desconfio que o negócio esteja fraco porque nesta cidade devias ser o único romântico á moda antiga.
Passeio com os dedos em cima da mesa distraída com as rosas e sinto os nossos nomes, tentei impedir-te mas sacas-te da navalha que andava sempre contigo, "nunca se sabe quando será preciso defender-te", dizias tu, e escreves-te os nossos nomes e o tal "para sempre" que sempre soubeste que estávamos destinados a ter, na altura achei piroso e ri-me de ti, ria-me de ti sempre cheia de ternura e carinho, hoje isto faz-me sentir uma falta tremenda da tua mão sobre a minha perna enquanto seguravas a chávena do café com a outra e me contavas que planos tinhas para nós.
-Para o ano vamos conhecer um novo país. Partimos no inicio do mês e não levamos muita coisa, não quero andar pesado quando tiver de te levar ás costas porque te começam a doer as pernas.
Tenho de admitir que a maior parte das vezes não me doíam pernas nenhumas, só me consolava estar agarrada a ti, contigo muito confiante a segurar-me como se tivesses o teu mundo nas mãos, e tinhas. Era isso que costumavas dizer, que eu era o teu mundo. Dizias que para seres verdadeiramente feliz só precisavas de mim, todos os dias a sorrir para ti. Isso chegava-te, e eu sei que sempre chegou.
Respiro fundo e olho em frente, deparo-me com a nossa fotografia exposta na parede, já gasta do tempo, mas parece que foi ontem, foi numa noite que não era para sairmos, mas apetecia-te beber um copo e "sair com a minha mulher" disseste tu,e isso derreteu-me, tinhas-me na mão sempre que me chamavas tua mulher e eu sei que não o chamavas com outro sentido que não fosse mesmo pronunciar que eu era tua. Então fomos sair, ao mesmo bar de sempre, onde o dono nunca se cansava de nós, havia karaoke, e tu um malandro de primeira não paraste de mandar vir copos enquanto não me viste subir naquele palco e pegar no microfone, adoravas ouvir-me cantar, dizias que o rádio podia estar sempre mudo porque a única voz que precisavas ouvir cantar era a minha, via-te sempre tão orgulhoso, tão deliciado a ouvir-me, e não foi diferente naquela noite, no final um rapazinho ainda novo chegou-se ao pé de nós e tirou uma fotografia, e decidimos cola-la na parede, ainda lá está, os nossos sorrisos rasgados, e tu de olhos postos em mim.
Aqueles olhos grandes e curiosos, muito atentos sempre que eu te queria contar alguma coisa, mesmo quando não era nada de especial, e sei que sempre foram apenas meus, só tinhas olhos para mim e tu eras o único homem que eu via, e que continuo a ver.
Tenho saudades tuas, esta rua que em tempos foi tão nossa hoje já não parece de ninguém, está tudo igual mas ao mesmo tempo tão diferente, a senhora do chapéu ainda me acena sempre que passo, mas olha-me com um olhar tão triste acho que ela também sente a tua falta, a falta de te ver todas as manhãs comprar uma rosa e entregá-la sempre naquela janela em frente, ambos nos ría-mos e achávamos ternurento quando a víamos á porta com um sorriso a olhar para nós.
Passou um ano desde que partis-te e eu ainda te procuro, seja nesta mesa, na fotografia na parede ou nas rosas que cheiro sempre de lágrimas nos olhos, ás vezes parece que ainda aqui estás, sentado ao meu lado a ver-me escrever, mas hoje não, hoje não te sinto aqui, e as palavras não saem.
Onde estás quando não estás comigo?
Estás a ver-me ao longe?
Estás a testar-me para saber se me sei desenrascar sobre as compras para o jantar sem te ligar a perguntar?
Fazia sempre tudo por ti, e muitas vezes escolhias os meus pratos preferidos mesmo sem te apetecer só para me veres saborear a comida com aquele ar satisfeito.
Como já disse eras um romântico á moda antiga, mesmo depois de partires encontrei o teu caderno secreto, do qual nunca ouvi falar onde escrevias sobre mim, sempre soube que tinhas jeito com as palavras mas nunca suspeitei que as tinhas dedicado a mim, foi um choque sabes? Quando descobri o caderno no meio de uns cd's antigos, as tuas palavras, o teu grande amor, sempre soube que fui a mulher da tua vida, mas estava ali escrito, eternizado com a tua letra, chorei sem parar durante horas, ainda tinha o cheiro do teu perfume do mesmo frasco que está na minha mesinha da cabeceira e para o qual eu olho e cheiro todos os dias.
Não me consigo desfazer de ti, és a melhor parte de mim e mesmo agora que não estás estarás sempre comigo.
Não sei onde estás agora mas sei que estás a cuidar de mim, sei que ainda me espreitas durante a noite para ter a certeza que eu estou a respirar, que eu estou bem, que ainda ali estou contigo e que não fugi durante a noite com uma mochila que tinha arrumado na noite anterior, ri-me tanto quando me contas-te esse sonho, desde então tinhas medo que eu fosse embora, era engraçado quando me levantava durante a noite para ir a alguma lado e tu muito assustado me agarravas na cintura e pedias para não te deixar.
Sempre tiveste medo de me perder e eu nunca me preparei para ficar sem ti, nunca nos preparamos não é? Não há como! Uma vez disseste-me que no dia em que não tivesses mais presente fisicamente estarias sempre em espírito, e sempre que eu me sentisse perdida para fechar os olhos, olhar bem fundo para dentro de mim e iria encontrar-te lá, e é o que faço, sempre que me sinto assim fecho os olhos e ainda te ouço "prometo que vai ficar tudo bem, nunca te esqueças de quem és, nunca percas a tua força, e eu estarei aqui para sempre contigo."
Nunca duvidei de ti, e ainda agora não duvido de nada do que disseste, as saudades são muitas mas um dia estarei de novo contigo, irei poder dormir de novo nos teus braços, e passear de mão dada contigo, sempre disse que te amava, todos os dias dizia-mos um ao outro o quanto nos amávamos, aquele amor incondicional que só acontece uma vez na vida.
Tenho saudades tuas.
Aqui.
Nesta mesa.
Na nossa mesa.
Onde um dia jurámos amor eterno.
Ainda te pertenço, e irei pertencer até ao fim da minha vida.
Espera por mim, sei que quando um dia aí chegar estarás de braços abertos á minha espera, como sempre estiveste.
Faz hoje um ano, e o meu coração ainda te pertence.
Como sempre te pertenceu.
Até já meu amor.

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