Carta para a minha Mãe.

                                     
Quase duas semanas sem ti.
Quase duas semanas se passaram desde a última vez que te vi.
E ainda nada disto me parece real.
Procuro-te em tudo o que vejo!
Acordo com a sensação de que te vou ver, e quando não te vejo tento encontrar-te em sinais, procuro sinais de que ainda aqui estás, de que embora o teu corpo tenha deixado de estar aqui, o teu espírito mantém-se comigo... Não sei se acredito em espíritos, sempre achei que somos muito mais do que um simples corpo, e não entendo como deixamos de ser tudo isso só porque o corpo deixou de funcionar. Então procuro por ti, também tu dizias que ás vezes a vóvó te dava sinais da sua presença e eu preciso de acreditar nisso, eu preciso de ti aqui, seja de que forma for, assusta-me tanto não te ter, o que virá depois, o que eu irei fazer sem ti, e então eu procuro-te, dói não te sentir, não ter aquele tal sinal da tua presença, há pessoas que dizem que sentem, que tiveram o toque, que sei lá, eu quero isso, eu quero tanto uma prova de que continuas aqui... tu continuas em mim, dentro de mim, onde sei que sempre te irei encontrar, mas eu não consigo pensar que foste embora , não me consigo conformar, ainda não acredito!
Quando as pessoas me perguntam como estou, eu sinceramente não sei responder-lhes, só sei que nada disto ainda me parece real, sinto um vazio enorme, sinto que algo de mim também partiu naquele dia, mas a minha cabeça ainda não me permitiu sentir que tudo isto é real.
Prometi-te tantas vezes que tudo ia ficar bem! Que tu ias sair desse hospital, que voltavas para casa, que ias de novo ver o nosso Marley e a Margarida, prometi-te tantas vezes isso que me convenci que ia acontecer, mesmo sabendo que pouco mais havia a fazer do que esperar pelo dia em que ias ser tirada de mim, da vida dura, mas que amavas vivê-la porque me tinhas! E foi isso que me fez aguentar, todos os dias estive contigo, dei-te água, dei-te comer, ajudei-te a virar para ficares confortável na cama mesmo que fosse apenas por 5 minutos, e quando deixasses de estar eu ajudava-te a pôr noutra posição. Estive sempre lá e não me arrependo de um único dia em que estive, porque o meu lugar era ao teu lado, nem sempre fui a filha ideal e culpo-me tanto por isso... tudo isso foi fruto da adolescência, e eu sei que embora magoada muitas vezes, sempre me tiveste como a filha ideal! E as pessoas dizem-mo agora que tu não podias ter tido melhor filha, dizem-me que tu própria o dizias, ainda bem que sentis-te isso, porque tudo o que te dei, tudo o que fiz foi porque tu o merecias, mereces-te que eu ficasse contigo porque sempre ficaste comigo mesmo quando eu menos merecia, disse-te no dia em que me despedi de ti, em que abri o coração e te admiti que sabia que as coisas não estavam bem e não iam ficar melhores que nunca tive heróis, nunca acreditei nisso, mas tinha-te a ti como a minha heroína! Deste-me vida, deste-me o mundo, todos os dias tinha comida na mesa graças a ti, tive amor e carinho como nunca mais irei ter e sempre me metes-te a mim em primeiro lugar na tua vida, eu fui a tua vida e agora parte da minha foi contigo.
Ás vezes quero arrancar a pele, sair para fora de mim porque se torna impossível viver cá dentro, torna-se impossível viver sem te ter aqui, e o meu medo é o depois, quando o tempo avançar mais, passaram quase duas semanas, e quando passar um mês? Um ano? Dez anos? Sem eu te poder tocar, sem ouvir a tua voz, sem sentir o teu cheiro, sem ter o teu mimo! Como vai ser quando as saudades forem tão grandes, mas tão grandes que vão ser impossíveis de aguentar? O que vou eu fazer aí mamã? Quando precisar tão desesperadamente de um abraço teu e nunca mais o tiver? Tenho tanto medo de me sentir assim que me fecho, que tranco a minha cabeça para não pensar em ti, para não pensar que não estás mais aqui, até que desabo...
Outro dia senti-me cair, tenho momentos em que não consigo mais manter a barreira que me permite não sentir e senti tudo, senti o mundo cair de novo aos meus pés como no dia em que te toquei e já estavas fria, em que tentei falar contigo e já não tive resposta, nem nenhum gesto, nem nenhum abrir de olhos, nem nenhum assentir com a cabeça, naquele dia eu fiquei sem a pessoa que estava sempre á espera do meu regresso, e agora não tenho mais para onde voltar! E então cai de novo, quis ligar-te, quis voltar para casa, quis os mimos, quis a tua voz a chamar-me "princesa" e "meu amor", e apercebi-me que não te tenho mais, e o que dói mais é saber que não vou voltar a ter.. quis voltar para ti, e soube nesse momento que não tenho mais ninguém á espera.
Tudo o que me espera agora é aquela casa, com as memórias de 22 anos, com as tuas roupas, o teu lugar no sofá, as tuas flores sem ninguém que cuide delas, a tua cama, as tuas fotografias e os teus perfumes, tu! Tu em todo o canto daquela casa, daquelas ruas... E eu sem conseguir mais lá voltar!
Faz no dia dos teus anos, duas semanas que partiste, tinhas tanto ainda por fazer, por ver, por viver, tinhamos tanto ainda por dizer, por fazer juntas, penso tanto agora nas tuas comidinhas como queria ter-te visto fazer aquele prato para saber como eu o fazer, no que ainda tinha para aprender, no que queria que me ensinasses a fazer, penso tanto no quanto eu preciso de ti e no quanto tu querias curar-te para ficares ao meu lado... sempre amas-te a vida, dizias que até o som dos passarinhos tu amavas ouvir e por isso ias dar cabo desse sacana que se alojou dentro de ti, e caramba se não lutaste! Lutas-te até ao último dia, os enfermeiros não te davam tanto tempo de vida, mas tu aguentas-te, foste uma guerreira a vida toda, e continuas-te a sê-lo nessa cama de hospital, sei que o fizeste por mim, porque afinal quem iria cuidar de mim se não fosses tu? E quando me despedi de ti, fi-lo porque o enfermeiro me aconselhou, estavas em sofrimento, estiveste sempre, mas a medicação ajudou a manter-te estável, e ele soube que o teu tempo estava em contagem decrescente, e disse-me para o fazer para te ajudar a tranquilizar, então eu disse-te que ia ficar bem, tu ensinaste-me o que preciso saber para me voltar a erguer, também tu o fizeste e eu quero fazê-lo por ti, e por mim também, sinto a maior parte do tempo que já não me encaixo, que não sou feliz, quero morrer muitas vezes, porque era tudo mais fácil, mas tu fizeste também o difícil, porque sempre estiveste grata por estares viva, amavas a vida, e eu vou aprender a ama-la também, não sei quanto tempo vai passar até que eu aprenda, ou quanto tempo vai passar até que eu interiorize todos estes acontecimentos,mas eu prometo que vou tentar mãe! Eu vou ser forte, eu prometi-te que o ia ser, herdei de ti a força, a garra, a coragem, e não vou deixar nunca que isso morra em mim!
Comecei a escrever um diário dos nossos últimos dias assim que o médico me disse que não havia nada a fazer, só restava esperar, e eu pergunto-me até hoje o que significa isso do esperar? Como é que se espera? Como é que se espera por uma coisa destas? Tudo o que eu fazia era não pregar olho com receio de receber uma chamada do hospital e não poder ir a correr para aí, e quando aí estava passava lá a tarde, a cuidar de ti, a mimar-te, a amar-te, a não te deixar sozinha, e então comecei a escrever, mas ainda não consegui abrir o caderno, e escrever-te nele, porque me dói, porque estão lá as memórias dos últimos dias e eu tento não pensar nelas, não pensar na despedida, porque nunca o vai ser, eu encontro-te todos os dias dentro de mim, e um dia vamos estar de novo juntas, se eu tiver de acreditar em alguma coisa que me dê forças é nisto, um dia eu vou estar de novo contigo, também tu acreditavas que um dia ias encontrar de novo a vóvó e o vôvô e eu espero que estejas junto deles, não tenho fé como a maior parte e não acredito em Deus, a fé nem sempre tem a ver com Deus, em crenças religiosas, a minha fé tem a ver com o acreditar em ti, que onde quer que tu estejas estás de olho em mim, e nos momentos de maior aflição eu vou procurar-te a ti, não Deus, ou o céu, quando eu tiver de falar para alguém a pedir forças, esperança, seja o que for, eu vou direccionar a minha fé para ti, foste sempre tu que me aguentas-te, que me levantaste de todas as vezes que eu cai, então porque havia de ser diferente agora? Tu vives em mim, e é dentro de mim que eu te vou encontrar, que eu te encontro, é a ti que eu vou buscar forças, sei que sempre fui a tua, e mesmo que não te dissesse tu também sempre foste a minha! E embora eu não o dissesse tu sempre soubeste. Conhecias-me como ninguém e sabias perfeitamente que embora eu fosse uma casca dura tinha um coração mole, e estes últimos meses mostraram isso, aprendi contigo que não é preciso ter vergonha de mostrar preocupação, de mostrar carinho e amor, isso não nos torna fracos, eu provei ser corajosa ao ter estado contigo e mostrar que te amo incondicionalmente, amei-te a vida toda, mas mostrei-to muito mais nestes últimos tempos, sempre guardei as coisas mais sentimentais para mim, mas no momento em que precisavas do meu amor e carinho deite-os todos! Sem receios, sem barreiras, dei-te tudo, e embora esse tudo me pareça agora tão pouco porque queria ter podido dar-te muito mais, sei que isso significou o mundo para ti!
Dizer que tenho saudades tuas é pouco para o que sinto, mas infelizmente nem toda a gente consegue despedir-se da pessoa que vai partir, e eu consegui, acho que todos os dias saí de lá despedindo-me de ti, muito subtilmente na maior parte das vezes porque quis que te agarrasses sempre á esperança da vida, tu acreditavas que ias vencer, não sei até que ponto era verdade, mas se me o dizias eu dizia-to também, quis que te agarrasses a algo, até que não houve mais porquês de continuar a fingir.. e na noite antes de partires também tu te despedis-te de mim, nunca me vou esquecer da maneira como me olhaste e me deste miminhos, reuniste todas as tuas forças para mais um carinho, e para dizeres que também me amavas quando te o disse a ti! Não sabia que ia ser o último mimo, e o último abraço que fiz questão de te dar como dava sempre que saia de lá,  mas na manhã seguinte recebi a chamada, não conhecia o número mas sabia exactamente o que me iam dizer! Eu senti! Nunca me vou esquecer que nesse dia de manhã quando me levantei tive o impulso de me arranjar mais cedo para ir ter contigo, algo me dizia para ir ter contigo, embora não acreditasse que ia ser naquele dia, eu sempre soube que ia acontecer, mas não quis que fosses sozinha, eu queria lá estar contigo, talvez isso me traumatizasse o resto da vida, mas não queria que estivesses sozinha.
Nada disto foi justo, a vida foi madrasta contigo, e não merecias ter ido embora assim, sempre te imaginei a envelhecer o mais saudável possível e então um dia já velhinha e vencida pelo cansaço, partias descansada, sem dores, sem sofrimento, confortável na tua caminha.. mas não.. infelizmente foste tirada de mim da pior forma possível, não que haja melhores ou piores formas, porque uma perda é sempre uma perda não importa a idade que tenhamos, mas estou no meu direito para achar que não foi justo, nada disto foi! Tu não merecias, mesmo que não se trate de justiça ou de merecer ou não merecer, não merecias que fosse assim, não agora, não assim!
Vou sentir a tua falta para o resto da minha vida, dói e ainda vai doer muito, está a ser e vai continuar a ser uma dor tão mas tão grande que chega a ser uma dor física, uma dor para além do meu corpo, para além da minha mente, é uma dor como nenhuma outra, dói tanto que há dias em que eu só desejo ir ter contigo, mas eu vou ser forte como tu me ensinaste, prometi que te ia deixar muito orgulhosa e embora ainda vá cometer muitas más decisões espero que as boas compensem e me levem a um bom caminho, espero ter uma boa vida, e um dia uma família, e embora não estejas comigo fisicamente estás sempre presente, e um dia se eu tiver filhos, vou contar-lhes a história de uma Rainha, que um dia lutou contra tudo e todos, que venceu muitas batalhas, que teve uma pequena princesa e que com ela escreveu uma história muito linda! Porque mesmo que eles nunca te conheçam de presença física vão sempre saber quem tu és, o orgulho que eu tenho por te ter como mãe, e não me digam que eu já não tenho mãe, porque eu tenho!!! Continuas viva dentro de mim, sempre vais ser a minha mãe, não importa aquilo que nos separa, nós agora somos uma, nenhuma distância destrói o elo que construímos juntas!
É graças a ti que sou tudo aquilo que sou hoje, não podia ter tido alguém melhor do meu lado, a ti te agradeço todos os dias pelo amor, pelo carinho, pela paciência, por me teres ensinado como ser uma mulher forte, e lutadora, deste o melhor de ti por mim, e foi sem dúvida o melhor, és a melhor mãe e a melhor pessoa do mundo, és a minha guerreira.
Vou sempre te amar.
E vou continuar a escrever para ti.
Até já mamã.
Com muita saudade, a tua filha.

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